Alberta Sordi (*)
Wendy acordou num sobressalto. Mal conciliou o sono e pulou em tropeço, ouvindo um tilintar suave e contínuo. Peter, grudado à janela, batia de leve no vidro:
- Wendy! Me deixe entrar!
Sorrateira e tentando não fazer ruídos, Wendy soltou a tranca, e Peter entrou pulando. Era madrugada e Wendy, fazia pouco, desmontara-se para descansar antes que o sol lhe viesse queimar as pestanas.
- Peter, o que faz aqui? Fritei por horas até que Morfeu viesse e quando, finalmente, eu estava em seus braços, você me acorda. (alheio a tudo, Morfeu roncava na cama, as coxas de ébano brilhando contra o lençol)
- Wendy, vamos para a Terra do Nunca.
- Mas logo hoje? Passei a noite numa plataforma 15, montada e maquiada, fui hostess, stripper, paguei mico e michê, tô morta e amanhã pego cedo no banco!
O traje verde-esmeralda de Peter contrastava com a camisolinha azul-turquesa de Wendy.
- Wendy, pega teu cartão de crédito que numa piscada a gente viaja.
Relutante e cheia de pruridos, Wendy vasculhou a bolsa de fuxico onde ela guardava toda sua vida: RG, CPF, um batom vinho-disco da Avon, carteirinha de doadora de órgãos e um cartão de débito (porque crédito ela não tinha nem pro cigarro).
- Tá aqui o cartão. E agora?
Peter limpou o tampo do toucador (uma espécie de penteadeira com espelho oxidado e perfumes de camelô) e despejou o que seria a passagem dos dois para outra vida.
- Mas Peter! Isso é pó!!!
- Sim, Wendy. Pó de pirilimpimpim! Basta um longo suspiro e acordaremos na Terra do Nunca.
Assustada, mas curiosa, Wendy aspirou fundo ao mesmo tempo em que vislumbrava na paisagem da janela aberta uma nesga de luz. “É o sol”, pensou. Peter segurava sua mão, enquanto o chão lhe fugia dos pés. A cidade pequenina despertava sozinha bem lá embaixo, a Terra do Nunca nunca esteve tão próxima, tão real. Nunca sentir-se estranha, nunca fazer linha, nunca fingir, nunca mais sofrer.
(...)
Um DJ croata comandava o after hours na Terra do Nunca. Pista lotada.
- Peter, quem é aquela loirinha de minissaia?
- É Sininho.
Wendy badalou sem limites. E perdeu a hora no banco.
- Quem mandou o crocodilo engolir o despertador?
(*) Alberta Sordi tem a idade dos papiros, mas nunca fez plástica.
Ruy Belo
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*Ruy Belo foi* um poeta de grande representatividade na poesia portuguesa
contemporânea, além de ensaísta e crítico literário. Com formação nas áreas
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Há um ano
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