quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O casamento de Isabelle

Alberta Sordi (*)

Para chegar à casa onde Isabelle morava com o futuro marido, precisei me equilibrar na tábua estreita que fazia as vezes de ponte sobre o esgoto clandestino. Belle, como gostava de ser chamada, esperava à porta sorrindo. O calor de janeiro lhe fazia escorrer a maquiagem, formando um bigodinho de gotículas coloridas. Os 36 metros quadrados onde vivia o casal estava todo enfeitado: lençóis de cetim vermelho sobre o colchão sem cama, um manequim de loja vestindo apenas um boá fúcsia, almofadas de astrakan em forma de coração. O casamento estava marcado para o dia seguinte, e eu seria a madrinha. “O Marcos já vem”, disse, e notei que ela quase quebrou a unha ao abrir uma latinha de cerveja.
Conheci Belle quando ela ainda se chamava Gustavo, em Blumenau. Alto, loiro, forte, bronzeado, um deus. Dentro daquele corpanzil, porém, dormia uma dama delicada que sonhava ter seios e deixar o cabelo crescer até a cintura. Único filho homem de família tradicional, Gustavo era a esperança do pai, empresário descendente de alemães. “Isso aqui, meu filho, é o teu futuro. Daqui uns anos, quando eu me aposentar, quero te ver no meu lugar”. À noite, depois que as luzes da mansão se apagavam, Gustavo chorava. E foi também no escuro que Gustavo deixou seu passado sem despedidas.
A vida na Capital começou miserável. Com a ajuda de Marcos, que ele conhecera na rodoviária, ganhou o direito de fazer michê na Ivo Silveira. Cada trocado ia para a “caixinha do futuro”, onde Gustavo guardava a realização de seus sonhos. Dois anos e muitas batalhas depois, nasceu Isabelle. No início, a voz ainda soava grossa, os seios demoraram para ganhar os contornos desejados. Quando foi possível, os implantes de silicone melhoraram a aparência da loira alta. “Não tô igual à Vera Fischer?”, perguntava, exibida diante do espelho. Marcos, que passou a agenciar os encontros, concordava apaixonado.
Agora, Isabelle e Marcos vão casar. A cerimônia, na praia, será celebrada por um ator vestido de padre. “Nenhum padre quis casar a gente, aí esse meu amigo se ofereceu. Pode não ser um casamento de verdade, mas pra mim é como se fosse. Se tem amor, não precisa de papel”, ela explicava sempre que alguém queria saber. E eu, de madrinha, estava toda orgulhosa.
Fim de tarde, nada do Marcos. O telefone tocou umas oito vezes, todos clientes querendo programa. “Vou cancelar o que for pra amanhã, mas hoje ainda dá pra rolar uns três”, avisou. “Fica aqui por enquanto, se o Marcos chegar fala pra ele que até a meia-noite eu tô de volta”. Abri outra cerveja e esperei.

(*) Alberta Sordi perdeu três quilos
de tanto pular na Passeata da Diversidade

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